Descobri tardiamente que minha maior identificação com William S. Burroughs vem do amor que ele tinha pelos gatos. Gosto da literatura dele e quase invejo a vida porralouca que levou, que contribuiu para formar as bases dessa literatura e disseminar um ideal de liberdade entre os jovens dos anos 1960, mas isso pouco importa diante do amor pelos gatos. A relação com os bichanos tira o Burroughs da condição de mito intelectual e o torna um homem comum, ocupado em alimentar, limpar o cocô, fazer carinho, cuidar do bem-estar deles. Me sinto irmanada com o ex-beat, principalmente pelas semelhanças da relação dele com Rusky, um gato cinza, e com Horatio e vários outros gatos brancos que teve ao longo da vida. Eu tenho Tininha, que não chega a ser cinza, e meu branco é Sivuca.
No livro O gato por dentro (The cat inside), Burroughs descreve os diversos gatos que passaram pela sua vida e como esses relacionamentos foram marcantes, enfatizando sua ligação especial com os felinos brancos: "O gato branco simboliza a lua prateada que se intromete nos cantos e purifica o céu para o dia seguinte... O gato branco é o caçador e o matador, e seu caminho é iluminado pela lua prateada. Todos os lugares e pessoas escondidos nas sombras são revelados sob essa luz suave inexorável. Você não consegue afastar seu gato branco porque seu gato branco é você. Não pode se esconder de seu gato branco, porque seu gato branco se esconde com você".
A convivência com os gatos o tornou um ser humano melhor. Eis um trecho significativo do diário, escrito em 9 de agosto de 1984: "Meu relacionamento com meus gatos salvou-me de uma ignorância mortal, absoluta. Quando um gato de celeiro encontra um protetor humano que o promove a gato de casa, ele costuma exagerar da única maneira que sabe: ronrona, se aconchega e se esfrega, e rola de costas para chamar a atenção. Agora eu acho isso muito tocante e me pergunto como posso ter achado um incômodo.Todos os relacionamentos são baseados na troca, e todo serviço tem seu preço. Quando o gato fica seguro de sua posição, como Ruski está agora, ele se torna menos efusivo, que é como deve ser."
O livro revela os sentimentos mais sutís, toda a capacidade de envolvimento afetivo de Burroughs com os animais, principalmente os mais indefesos, e sua desolação diante da progressiva extinção de algumas espécies. Todos esses sentimentos eram catalizados no amor que sentia pelos gatos, a quem atribua qualidades quase humanas (as melhores evidentemente).
Eu, Mariza.
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Jornalista. Revisora de livros. Mãe de Maíra. Criadora de gatos. Batuqueira de maracatu. Viciada em filmes antigos, séries de TV e blogs de literatura. Estudante de francês e inglês. Acredita na humanidade, apesar dos pesares
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