Tudo passa, tudo passará

20:37

Como cantava o baixinho Nelson Ned e o grandão Agnaldo Timóteo..."mas tudo passa, tudo passará; e nada fica, nada ficará...". Pois é, devagar, devagarrrrrrrrrrr, mas vai passando. Faz um ano que recebi o diagnóstico de câncer e comecei uma correria de consultas, exames, autorização do plano de saúde para a cirurgia de retirada do tumor da mama,  ultimar coisas no trabalho porque teria de ficar um tempo afastada (pensei inicialmente que seriam 15 dias e acabou sendo 60),  e na última semana antes da operação, que foi no dia 17 de setembro, tratar de uma grande faxina em casa, lavar todas as roupas e fazer uma grande feira, porque iria ficar "de molho", dependendo da ajuda dos irmãos e irmãs. Como isso tudo já me pegou cansada - eu ia viajar de férias e tive de cancelar - e ainda se juntou com outros problemas, acabei tendo um baita estresse; daí porque acabei ficando dois meses sem trabalhar, me recuperando da cirurgia e do cansaço: férias em casa, na rotina de doente, cuja única distração era ver filmes na TV.

De 8 de novembro de 2013  a 7 de julho de 2014 foi o tratamento de quimioterapia e radioterapia. No começo tentei usar peruca e lenços mas detestei tudo e passei a desfilar minha careca lisinha, que só cobria com uma boina ou a echarpe  - ficava parecendo uma muçulmana - quando o frio dos aparelhos de ar-condicionado batia no cocoruto. Durante esses oito meses conheci várias pessoas que passavam pelo mesmo problema, e todas, sem excessão, citavam Deus - com mais ou menos intensidade - como a força motriz que iria levá-las à recuperação. Eu, mulher de pouca fé que sou, mais confiante no poder da ciência do que no das rezas, me limitava a ficar calada, pois se tem uma coisa que eu respeito é a religião das pessoas e acredito realmente que a fé ajuda a remover montanhas, desde que quem a tenha não se limite apenas a orar, mas empreenda esforços para obter o benefício que deseja. No nosso caso, fazendo direitinho o tratamento médico.

Muita gente também dizia que "aprendeu muito" com a doença, que "aprendeu a dar mais valor à vida"  ou que "vai fazer tudo diferente, de agora em diante". Eu  acho que, com raríssimas  excessões, não dá pra mudar o modo de viver de uma hora pra outra. Tenho visto que muitas dessas promessas são feitas no calor do momento, mas depois a vida segue o ritmo normal e a pessoa faz exatamente o que fazia antes, porque a forma como a gente vive é construída ao longo do tempo, incorporada por uma série de  elementos, como nossa carreira, nossos gostos, nossa família. No máximo, dá pra fazer alguma adaptação não muito radical, como pedir aposentadoria para não ter de se estressar com  trabalho - apenas antecipando algo que seria inevitável em alguns anos - ou tentando comer de um modo mais saudável.

Também entendi que, muitas vezes, quando alguém pergunta "como você está?" não quer realmente saber como você se sente, não quer detalhes sobre suas dores, sua fadiga, seu peito queimado pela radiação, suas unhas cheias de fungo, suas noites insones, nem nada. Elas estão apenas sendo educadas, cumprindo um rito social. Uma pessoa me telefonou para conversar, perguntou como eu estava, e quando comecei a contar, me interrompeu, dizendo: "tá bom, só liguei mesmo pra saber como você estava". E desligou. Cada um tem seus problemas, que sempre parecem maiores que os dos outros. Experimente contar sobre sua doença, qualquer que seja, e logo seu ouvinte vai aproveitar o mínimo intervalo para falar da doença dele/dela, ainda que você tenha câncer e ele/ela tenha uma gripe. Todo mundo adora descrever seus padecimentos. Depois do episódio do telefonema comecei a ter cuidado para não encher o saco de ninguém com histórias de doença, e dar a resposta esperada: "ah, tô ótima", ou "vou levando". Apenas às pessoas mais íntimas, como minhas irmãs que cuidaram de mim, eu conto como estou realmente.

Mas depois de um ano, fazendo o balanço de tudo que passei, quando penso que cheguei  a precisar usar bengala e extrair as unhas dos pés, e que meu peito ficou em carne viva, queimado pela radiação, posso dizer que, embora ainda tenha algumas sequelas, estou mesmo ótima, e que "vou levando", retomando aos poucos minha vidinha de sempre.

 

 

 

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1 comentários

  1. ô mãe, tô tão feliz de ler este texto! feliz que tás te recuperando, que a energia se manteve positiva esse tempo todo, feliz que vamos nos encontrar em breve e dessa vez curtir nosso reencontro! tu és a maior guerreira que eu conheço e um exemplo de mulher! eu te amo muito muito muito muito muito e não vejo a hora de te dar abraços esmagadores! TE AMO MÃE!

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