O pré e o pós : meu desabafo carnavalesco

21:36



A coisa é assim: existe um cronograma que não pode ser descumprido, por isso na sexta-feira véspera do Carnaval e na sexta-feira pós- Carnaval, lá estava eu no CPO- Centro Pernambucano de Oncologia, para minha bendita sessão de quimioterapia. Tentei levar numa boa, fui de peruca carnavalesca, com flor na cabeça, pra fazer uma graça...até tirei foto com as assistentes da clínica e com minha oncologista, Dra. Roberta Torreão, que topou a brincadeira. Mas ficar totalmente longe da folia não foi fácil, aliás foi a primeira vez na minha vida: fiquei refugiada em Aldeia, na casa da minha irmã, onde só vi do Carnaval as imagens do Galo no noticiário da TV.

Comilança e conversas, foi o cardápio. Participei mais da comilança, inclusive fiz o almoço do domingo, um elogiado cozido com torta de limão de sobremesa. Mas logo perdi o ânimo para as conversas, porque a fadiga nas pernas me pegou pra valer a partir do domingo a noite, e aí só dava vontade de ficar sentada e calada. Mas a família entendeu e ninguém forçou a barra; vez em quando eu fazia um esforço pra entrar na roda. Descansei, descansei, descansei, cansei de tanto descansar...e fiquei triste de ficar longe da alegria do carnaval, apesar de racionalmente saber que tinha de ser, porque tenho de evitar a multidão, viroses, o calor etc etc etc. Valeu ter recebido a visita de minha querida cocunhada, Leny, que passou lá pra me dar um abraço. Grande figura, de um astral sempre lá em cima. E, é claro, valeu todo o cuidado e carinho dos irmãos, sobrinhos e cunhada, que passaram a semana comigo.

Na sexta-feira pós-Carnaval, quando minha onco perguntou "como você está?", minha resposta a deixou surpresa: "Tô de SACO CHEIO!" Acho que ela não esperava tanta sinceridade. Estou na metade do tratamento e já estou de saco cheiooooooooooooooooo. Principalmente porque a cada sexta-feira tenho de enfrentar a sensação das pernas aflitas durante o tempo que dura a sessão. Gente, que agonia! Assim que a droga preparatória entra na veia, que é um antialérgico e um pra aumento da imunidade, fico grogue, poderia dormir, mas quando começa a entrar a droga específica, quimioterápica, começam pequenos choques musculares nos tornozelos que logo se transformam numa enorme aflição  do joelho pra baixo. Não há posição que ajude, durante 2h30 eu me remexo sem parar na cadeira, só não fico de cócoras por estar presa ao tubo de soro, e me debato tanto, batendo a barriga da perna no assento que pareço estar com convulsões. Essa agonia acaba um pouco depois de terminada a sessão, mas volto pra casa ainda grogue de sono.

Para a fadiga nas pernas o paracetamol não resolve, porque afinal não se trata de dor, apenas cansaço. A onco propôs uma outra medicação, usada por diabéticos, que também têm esse sintoma, mas eu estou resistindo: meu estômago sempre foi meu órgão de choque e não quero sobrecarregá-lo. Tô tentando superar de outro jeito: uma horinha de pé, e logo corro pro sofá, pernas pra cima, quando melhora volto aos meus afazeres....tá dando pra dirigir e pra trabalhar...a noite vejo filmes com as pernas bem altas, é bom pra circulação...e senti que uma pequena caminhada também alivia, o cansaço que vem depois é só porque estou gorda pra caramba! Totalmente fora de forma!!!

Uma prova que Dra Roberta ficou preocupada com meu desabafo é que ela resolveu me encaminhar pra conversar com um radioterapeuta, para ver se ele concorda em começar a minha radioterapia concomitantemente com o restante da quimio. Faltam sete sessões da quimio branca (toda sexta) e a radioterapia é diária, durante cerca de um mês e meio. Terminaria tudo na metade de maio, eu acho. Perdi uma noite de sono pensando nisso e decidi que vou conversar com ela na próxima sessão, pra dizer que não acho viável. Não faz parte do meu perfil queimar etapas. O simples fato de ter desabafado, de ter dito como estou me sentindo, já me fez sentir melhor. Eu sou dessas que quando tenho raiva boto pra fora, geralmente com muitos palavrões, grito todo meu ódio, e aí a raiva passa, eu pondero e fica tudo bem de novo. Prefiro seguir o cronograma, cada coisa a seu tempo. Além disso, sessões diárias de radioterapia seriam um grande atrapalho no momento: eu já falto ao trabalho toda sexta-feira e duas manhãs, geralmente segunda e quinta, pra fazer drenagem linfática (tudo com atestado, para abonar as faltas, né), mas como encaixar essa novidade? E será que vai dar pra fazer a drenagem durante a radioterapia? A rádio provoca sensação de queimadura de praia e a drenagem exige uma massagem prolongada, pra ativar todas as linfas do corpo, que termina com gelo no braço e massagem com creme Venaloth pra ativar a circulação. As coisas parecem conflitantes...

Preciso dizer a Dra Roberta que não se impressione tanto com meus desabafos. Eles são necessários para eu me sentir melhor. Mas eu sou capricorniana, tenaz como as cabras da montanha, que são o símbolo do meu signo, que sobem devagar e sempre, tropeçando nas pedras, até alcançar o capim verdinho lá no alto. Não se preocupe, querida, eu chego lá: cansada, às vezes de saco cheio, dando canseira nos outros também, agradecida pelo carinho e compreensão da família e dos amigos, redescobrindo pessoas e tentando me aceitar mais, tropeçando no caminho...até chegar ao capim verdinho que será a cura total dessa porra que anda me enchendo o saco!

E tenho dito.


You Might Also Like

3 comentários

  1. Mariza, concordo em não queimar etapas. Olhando direitinho, o tratamento com químio já tá quase terminando. Logo passa. Tenho amigos que passaram por isso há vários anos e estão curados. Leni é um exemplo disso. O tempo, hoje, passa rápido pra tudo e passará pra esse tratamento também. Essa medicação pra diabéticos que a médica passou, é certo mesmo que ela causaria problemas ao estômaho? Se não causar, toma. Fala com a médica. Nélio é diabético e pode falar sobre a experiência dele. Procura ser forte como estás sendo e segue o tratamento à risca. Falta pouco. E conta com a gente pro que for preciso. Beijão.

    ResponderExcluir
  2. Querida, a coragem irreverente com que você vem enfrentando essa barra-pesada pode não ser meio caminho andado, mas é um grande passo para superar tamanho desafio. Contribui também o fato de você ser muito amada, daí instigar solidariedade e despertar energias positivas. Estamos por perto, companheira. Conte conosco para esvaziar esse saco. E viva a vida!

    ResponderExcluir
  3. Pois é, Jó: de vez em quando a gente tem de estourar, pra poder continuar enfrentando a carga. Tô indo bem, mas tem hora que o saco transborda e o desabafo tem a função terapêutica de equilibrar as coisas. Coitada da médica, que não conhecia esse meu lado.kkkkk

    ResponderExcluir

Bloglovin'

Siga no Bloglovin'

Follow