Todo mundo que descobre um câncer passa, mais ou menos, pelas mesmas fases: medo do desconhecido, de ter que  conviver com as limitações que se impõem; culpa de não ter se cuidado o suficiente; raiva do universo, que conspirou contra...Vez por outra ainda me pego pensando "que merda, eu não mereço isso!". Mas, afinal, quem merece? Se fosse questão de merecimento nenhuma criancinha passaria por isso.

Minha mãe não pronunciava a palavra câncer. Nenhum habitante da cidade dos meus pais, São Caetano, no Agreste de Pernambuco, pronunciava essa palavra. Diziam "a doença grande", ou "aquela doença", com uma certa reverência, um temor de atrair o mal ao nomeá-lo. Nessa época, eu ainda menina, o diagnóstico de câncer era praticamente uma condenação de morte.

Hoje tem avanços significativos no tratamento e cura, principalmente para o câncer de mama. O que é muito bom, mas também vem levando as pessoas a verem a doença de forma banal. Você diz pra alguém que está com câncer de mama, e a pessoa diz, querendo ser solidária: "ah, mas agora tem cura, conheço fulana e beltrana que tiraram os dois peitos, já fizeram reconstrução e estão curtindo a vida". Simples assim. O que as pessoas não levam em conta é que entre o diagnóstico e esse "já estão curtindo a vida", muito tempo e sofrimento se passam.  Você não quer inspirar pena nem comentários terroristas sobre a doença ; você quer que admirem sua força,  sua garra, a forma como você está encarando o problema, até porque você  sabe que a melhor forma de enfrentar o dragão é atacá-lo de frente. Mas, gente, você também quer colo, carinho, dengo e compreensão.

Essa banalização chega ao ponto de, em uma novela da TV Globo, uma personagem passar por mastectomia unilateral e fazer uma reconstituição tão perfeita que o amante nem distingue qual peito é o verdadeiro!  Isso é um desserviço às mulheres e um desrespeito a dor de todas que passam ou já passaram pelo problema. Cada caso é um caso, mas a reconstrução em geral é um processo extremamente doloroso, que utiliza músculos de outra parte do corpo, principalmente costas ou barriga,  e não uma simples plástica de silicone. Vamos reconhecer os méritos da medicina, que avançou muito nessa área; vamos incentivar as mulheres a se tratarem; vamos levantar o astral de todas, dizendo que existe cura, beleza e vida normal após o tratamento; mas, por favor, não vamos banalizar o sofrimento de ninguém. Isso, sim, ninguém merece.